Restrição à meia-entrada e fechamento da comunidade mostram a ofensiva da indústria cultural

• No dia 15 de março, foi desativada a comunidade “Discografias”, do Orkut, que liberava, de maneira gratuita e sem lucro, atalhos para álbuns inteiros de artistas de vários gêneros musicais e níveis de fama, através de arquivos que seus usuários deixavam disponíveis para serem baixados de sites de compartilhamento.

Os moderadores da comunidade disseram que encerraram as atividades “devido às ameaças que estamos sofrendo da APCM [Associação Antipirataria de Cinema e Música] e outros órgãos de defesa dos direitos autorais”.

No mesmo dia, poucos minutos depois do fechamento da comunidade, vários dos quase um milhão de membros da comunidade, lançaram na internet expressões de protesto frente à situação, reclamando da APCM e das restrições impostas pelas gravadoras ao acesso à arte musical. Uma nova comunidade,
“Discografias – o retorno”, está já sendo montada.


Em nota, a APCM afirmou que considera positivo o fechamento da comunidade. A APCM representa grandes empresas da indústria fonográfica, como a Globo, a Sony, a Warner, a Universal, a Fox, a Disney entre outras.
O fechamento da Comunidade já está levando muitos internautas e usuários de arquivos gratuitos de música e vídeo a se organizarem, propondo ações contra a APCM. Isso acontece no momento em que há restrição à meia-entrada. A discussão sobre a pirataria e a propriedade intelectual retoma lugar de importância para a juventude e a população em geral.


Uma antiga guerra declarada... contra os fãs
A APCM começou, no ano passado, uma verdadeira guerra contra a comunidade, alegando que “já estava claro que a mesma se dedicava a disponibilizar músicas de forma ilegal, ignorando todos os canais legais de divulgação e uma cadeia produtiva de compositores, autores, cantores e produtores fonográficos”. Há muitos meses, os links já vinham sendo desativados e os arquivos excluídos com a ajuda e parceria da empresa responsável pelo Orkut, a Google.
Na verdade, essa guerra não pode ser tomada como uma guerra contra a comunidade isolada. Um milhão de pessoas foram prejudicadas pelo fechamento da comunidade, que se soma à perseguição que sofreram vários outros serviços gratuitos, como o Napster e o YouTube.
Na Suécia, o site Pirate Bay, que disponibilizava filmes, músicas e jogos, teve seus quatro donos processados. O resultado do julgamento sairá em breve. Nenhum dos donos do site lucrou um centavo com o serviço.
Mas a guerra que se discute é, claramente, contra o livre acesso à arte e à cultura. Hoje, já se debate em várias partes do mundo de tornar crime o ato de compartilhar (seja disponibilizar, seja mesmo baixar) qualquer arquivo sem permissão. Ou seja, quem não tiver dinheiro para pagar, não poderá ter nenhuma forma de acesso à arte e à cultura. Tudo em nome do lucro das granes gravadoras e empresas de cultura.


Artistas britânicos defendem seus fãs
Nem mesmo os artistas conseguem concordar com isso. A The Featured Artists Coalition (FAC), que reúne mais de 140 artistas e bandas ingleses, como Radiohead, Robbie Williams, Iron Maiden, Annie Lennox, entre outros, em votação, decidiu por ampla maioria que era contra qualquer tipo de punição aos fãs que baixarem músicas da internet. A decisão será enviada ao secretário de Estado para as comunicações britânico, lorde Carter, que propôs a criminalização do download gratuito.
Contraditoriamente, a FAC ainda defende que os artistas tenham o controle de quando querem que sua arte seja paga ou não, como uma forma de passar para eles o controle do comércio da arte. Isso pode parecer uma posição justa, mas segue a mesma lógica das empresas do ramo cultural, que buscam extrair dinheiro da restrição ao acesso à arte e à cultura.


Uma indústria obsoleta em crise
Há muito tempo, a pirataria e a distribuição gratuita de arquivos de todo tipo na internet vêm prejudicando os empresários do ramo da cultura. Os lucros das grandes gravadoras vêm se reduzindo há vários anos. De lá pra cá, uma campanha que associa a pirataria ao roubo vem tentando, sem sucesso, ganhar a população para enfrentar a pirataria e o compartilhamento de arquivos na internet. Além disso, vem jogando nas costas dos trabalhadores e jovens esses custos: inflacionou os preços de CDs, DVDs, cinemas e shows, fazendo com que eles mais que duplicassem ou até triplicassem nesse últimos anos.
Por trás disso, está uma contradição insolúvel: de um lado, estão as empresas da cultura querendo empacotar toda forma de expressão artístico-cultural para pô-la numa prateleira fechada e, através da restrição do acesso das pessoas aos seus produtos, extrair cada vez mais lucro. Do outro, estão os milhões e milhões de trabalhadores, trabalhadoras e jovens que, ante a impossibilidade financeira de ter acesso à cultura e à arte por meios pagos, encontrou na internet uma forma barata e democrática de fazê-lo.
Mas essa contradição não vem de agora. No passado, era comum que bandas de cenários alternativos utilizassem fitas-cassete para divulgarem seu trabalho e era comum que amigos gravassem uns para os outros em fitas desse tipo, tanto de outras fitas ou discos quanto do rádio.
Já são muitos os artistas pequenos que disponibilizam suas músicas na internet e conseguem fama dessa maneira gratuita. Até mesmo o Radiohead, famosa banda britânica de rock alternativo, disponibilizou um álbum completo na internet com contribuição financeira voluntária.
O avanço da tecnologia vem diminuindo o valor dos produtos da indústria fonográfica. Está cada vez mais fácil gravar, editar, reproduzir e divulgar músicas e outras formas de arte, tornando as grandes empresas do ramo claramente supérfluas. Cada vez mais é difícil tornar a arte uma mercadoria. Ainda mais hoje que, na internet, já são disponibilizados os recursos para isso de maneira gratuita. Desfazer isso será uma batalha enorme dessas corporações para fazer girar para trás a roda da história.


A crise e a meia-entrada
Nesse momento, com a crise econômica mundial, já prevendo a queda de seus lucros, a burguesia cultural agora também batalha para restringir o direito à meia-entrada em eventos culturais. Isso nada mais é que tentar jogar sobre as costas dos trabalhadores e da juventude as conseqüências da sua crise. A tendência é que, junto disso, haja uma intensificação da perseguição à pirataria e o compartilhamento de produtos artísticos.
A luta pela meia-entrada já está sendo tocada e grandes mobilizações estão sendo preparadas. Esse direito histórico foi conquistado na década de 1940 e foi retirado pela ditadura, sendo reconquistado na redemocratização. Agora, imitando a ditadura militar, o governo vem propor a restrição. Isso prova que o que importa não é a orientação política do governo, mas sim que essa orientação é na verdade os interesses da burguesia.
Mas isso não é tudo. O choque de ordem no Rio de Janeiro combate os camelôs e reprime venda de produtos pirateados. No Congresso, está sendo discutida um Projeto de Lei que, entre outras coisas, dá direito ao governo de acessar informações e computadores de usuários da internet, além de criminalizar o download de arquivos protegidos pela propriedade intelectual. O cerco está fechando.


Os interesses do mercado e a propriedade intelectual contra a arte e a cultura
Fica claro que o problema que envolve tudo isso mais profundamente são os interesses gerados pelo mercado contra a liberdade artístico-cultural. No início da popularização da internet, muitos entusiastas acreditaram que ela seria por si só a garantia da liberdade de acesso à arte e à cultura. Mas o que tem se provado é que, apesar de a liberdade da internet permitir superar em vários aspectos as leis do mercado, isso não está garantido, pois os grandes empresários do mercado cultural farão de tudo para tomar conta da rede, extinguir o que há de liberdade nela, pôr cercas e polícia para fazer tudo ser apenas seu próprio mercado. O mercado exige a privação para que seja o dinheiro quem permita o acesso à satisfação das necessidades.

Créditos a RAFAEL MACHADO (RIO DE JANEIRO - RJ)